Kandinsky tentou fazer um teatro total.
Entre seus experimentos, temos A sonoridade Amarela.
O roteiro está dividido em uma abertura e seis quadros/cenas.
Eis aqui o início
Entre seus experimentos, temos A sonoridade Amarela.
O roteiro está dividido em uma abertura e seis quadros/cenas.
Eis aqui o início
A sonoridade amarela, de W. Kandinsky
Uma composição Cênica[1]
Tradução: Marcus
Mota
Agentes
Cinco
gigantes
Seres
indefinidos
Tenor
( na coxia)
Uma
criança
Um
homem
Pessoas
com vestes soltas
Pessoas
usando collants
Coro
(na coxia)
Abertura
Alguns
acordes da orquestra.
(sob
cortina)
Em
cena, temos um crepúsculo azul-escuro que de início tende ao esbranquiçado e
que depois se torna um azul escuro mais intenso. Em seguida, uma pequena luz se manifesta no
centro, fazendo-se cada vez mais brilhante enquanto a cor azul obscurece.
Depois um tempo, música vem da orquestra. Pausa.
Da
coxia, ouve-se um coro que deve ser alocado ali para que a fonte do som não
seja identificada[2].
As vozes mais graves vão se ouvir com mais destaque. O canto é regular, sem afetividade,
com interrupções indicadas por reticências[3].
VOZES GRAVES
“Sonhos de pedra .... e rochas falantes ...
Ressoam
perguntas cheias de enigmas ...
O
movimento do céu ... e a fusão ... das pedras.
Ergue-se
invisível ... um muro ...”
VOZES
AGUDAS
“Lágrimas
e risos ... Para maldições, orações...
A
alegria da união e as batalhas mais escuras. ”
TODOS
“Luz
trevosa no ... mais ensolarado ... dia.
(desaparecendo
veloz e repentinamente)
Brilha
sombra luminosa na noite mais escura!! ”
Fade out. Blecaute. Pausa mais longa. Em seguida,
abertura da orquestra.
Quadro I
(À
direita e esquerda do espectador)
A
área de atuação deverá estender-se até o fim do palco o máximo que der. Lá ao
fundo, uma extensa colina verde. Atrás da colina, uma cortina lisa, opaca,
azul, de um tom bem escuro.
Em
seguida começa a música, inicialmente em frequências agudas. Após, passa
imediatamente para as mais graves. Ao mesmo tempo, o fundo de cena muda para
azul escuro (em sincronia com a música) e nele surgem bordas negras (como em um
quadro). Da coxia ouve-se um coro sem palavras, que canta sem emoções, seco, mecânico.
Ao final do canto do coro, uma pausa geral: nenhum movimento, nenhum som. Daí
blecaute.
Após,
a cena se ilumina. Da direita para a esquerda, cinco gigantes (os maiores possíveis)
de um amarelo muito vivo são empurrados para o palco ( como se flutuassem sobre
o piso).
Eles
ficam imóveis ao fundo, um do lado do outro –uns com os ombros erguidos, outros
com os ombros caídos, todos com estranhos e indefinidos rostos amarelos.
Viram
o rosto uns para os outros bem lentamente, fazendo movimentos simples com os
braços.
A
música se torna mais definida.
Então
se ouve o canto sem palavras e em baixa frequência em pianíssimo (pp) dos
Gigantes e eles vão se aproximando bem lentamente do centro do palco[4].
Voam velozes da esquerda para a direita umas criaturas vermelhas indefinidas,
que assemelham um pouco a pássaros, e que têm cabeças grandes parecidas com as
de seres humanos. Este voo se reflete na música.
Os
gigantes continuam cantando, com frequências mais graves. Ao mesmo tempo,
tornam-se cada vez menos visíveis[5]. A colina ao fundo cresce lentamente e vai se
tornando mais nítida. Ao fim, está branca. O céu, totalmente escuro.
Da
coxia novamente se escuta o coro opaco. Não se ouve mais os gigantes.
O
proscênio torna-se azul e aos poucos menos brilhante.
A
orquestra luta com o coro e o vence.
Uma
névoa densa torna toda a cena invisível.
[1] Thomas von Hartmann ficou
encarregado da parte musical.
[2]
NT. No original: “welcher so eingerichtet werden muss, dass
die Quelle des Gesanges nicht zu eknnen ist. ” Isto é: o coro “deve ser
disposto de um jeito que não seja possível discernir a origem do canto”.
[3] NT. No original “ohne
Temperament”. No lugar de traduzir por
cognato, o que levaria a questão do temperamento musical, questão sobre
afinação e medição de intervalos musicais, dentro do contexto vemos que o termo
se refere tentativa de se reduzir respostas emocionais na canção por meio da
ênfase na equalização dos atos performativos. Assim, “sem temperamento” aqui
refere-se a uma performance sem disposições mais explicitas de emoções, algo
mais próximo de uma máquina.
[4]
NT. No original, “Rampe”.
Seria vago traduzir por “rampa”, pois no caso Kandinsky está se referindo ao
lugar de destaque da área de atuação, a ribalta, onde um fila de refletores no chão ilumina o
ator.
[5] No
original, “undeutlich”, “indistinto”, “vago”, “difuso”, “obscuro”, ”borrado”.
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