terça-feira, 18 de dezembro de 2018

NOTAS COMPOSIÇÃO I

A intensidade das últimas quatro orquestrações tem me dado a sensação de estar envolvido mais diretamente com o processo criativo de Kandinsky que com suas obras individuais. Explico: a primeira orquestração, para a Composição IV, foi uma aprendizagem: eu diante de algo que não havia feito, compor a partir de uma obra de arte visual, sem me ocupar de sua narrativa ou figuras e sim mais sua escolha de elementos, de sua composição mesma.  Mas eu ainda estava muito apoiado nos textos de Kandinsky e no material do quadro individual. Até mesmo o meu roteiro era calcado em grande parte no roteiro que Kandinsky escreveu. Embora eu tivesse selecionado as informações de suas notas sobre Composição IV e analisado o quadro a partir dessas notas, a minha seleção era muito determinada por indicações mais relevantes de Kandinsky. Creio que um modelo interpretativo pode ser construído a partir daí. Por mais que haja um movimento em direção ao material prévio e por mais que haja um afastamento em relação a este material prévio, não basta a constatação desse duplo movimento para caracterizar as opções efetivadas.
No momento atual, elaborando a sétima orquestração e a quarta em um ritmo de uma por mês, me sinto me relacionando com toda a experiência desses últimos meses, que de fato enfrentando um quadro individual. Nesse sentido, percebo que a noção de série, de composição de conjuntos de quadros associados aqui parece ficar mais esclarecido.  A correlação entre série e quadro individual estaria nessa integração da obra de agora em uma amplitude processual, de estar ao mesmo tempo compondo esta música neste momento e estar retomando e ampliando outras músicas e outros momentos deste processo criativo.
O que tenho sentido além disso é um cansaço, uma dificuldade em ser mais fluído, em produzir em maior escala. A intensidade aqui é vista como muito tempo revendo, conectando elemento e propondo poucos compassos por dia. Assim, o desgaste é o da atenção e retenção de elementos que são jogados na partitura. E a proximidade com um esgotamento potencial de novos recursos, de novas combinações. Mas isso tudo é uma expectativa, um horizonte negativo que sombreia as margens da atividade.
Não tenho conseguido ficar mais de duas horas por dia seguidas compondo. É fim de ano. Muitas distrações.  Falta um minuto para acabar a Composição I.
Tenho mais escutado o que componho, revisado o que escrevi que de fato inserindo novos elementos.
Os materiais incorporados à música de agora, que foram compostos há mais de um ano, se mostraram de excelente qualidade a partir do contexto em que foram inseridos. De fato é uma reversão de intenções: quando comecei o processo, ainda sem o financiamento, em 2017 escrevi um conjunto de temas para as primeiras composições, seguindo a ordem cronológica da série. Esses temas orquestrais ficaram ali arquivados. Agora os reutilizei. A sensação foi , em um primeiro momento, de completar o que estava fazendo com o que havia feito. Mas, com a continuidade do processo, o processo inverteu-se: passei a construir em volta e a partir dos elementos já compostos, me valendo de seus trechos, de sua sonoridade, ou daquilo para onde apontam.

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